Recuperação judicial é saída para empresas endividadas
16 de outubro de 2019
A notícia de que a Odebrecht protocolou seu pedido de recuperação judicial em junho deste ano estampou a capa de jornais. Gerou debates, discussões sobre quebra de sigilo e criou um cenário para a maior recuperação judicial da história brasileira com dívidas no total de R$ 98,5 bilhões. Até então, o primeiro lugar era da empresa de telefonia Oi, com uma dívida de R$ 65 bilhões, que hoje já apresenta resultados de sua reestruturação.
Eurico Teles, presidente da Oi, em entrevista à imprensa, disse que a aprovação do plano de recuperação judicial permitiu à empresa ter maior previsibilidade e clareza. Nesse processo, a Oi fechou algumas unidades de negócios, vendeu ativos e decidiu canalizar recursos para criar mais valor e reduziu a dívida de R$ 65 bilhões para R$ 19 bilhões. Os cortes de gastos levaram à economia de R$ 1,4 bilhão e, em janeiro deste ano, obteve um reforço de caixa de R$ 4 bilhões. Além disso, teve mudanças internas para reforçar a governança com uma nova gestão e um conselho administrativo independentes.
Contudo, esses exemplos bilionários representam uma parcela pequena dos pedidos. A maior parte das empresas que fazem o pedido e processamento da recuperação judicial são as micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Só em 2018, o Serasa Experian registrou 1.508 pedidos de recuperação judicial; quase 80% deles feitos por MPMEs, totalizando quase 1.200 pedidos. Até abril deste ano, a Justiça recebeu 371 pedidos, dos quais 312 foram de MPMEs e 59 de empresas de grande porte.
Recuperação judicial e falência não são sinônimos
Nos últimos anos, o Brasil enfrentou uma das maiores recessões de sua história, levando a um cenário difícil para todo tipo de empresa. Mas, para as MPMEs, a
dificuldade foi maior. Segundo Gabriel Khayat, advogado do escritório SSB Advogados em Ribeirão Preto, as pequenas empresas costumam enfrentar mais dificuldades em tempos de crise por terem menos capital e acabar sofrendo mais com as turbulências do mercado. Buscar a solução no pedido de recuperação judicial pode dar fôlego para elas sanarem suas dívidas e se manter no mercado
A recuperação judicial foi criada em 2005, com a Lei nº 11.101, e o intuito de preservar empresas em crise que tenham condições de se recuperar. O advogado Felipe Scavazzini, que atua como administrador judicial em casos de recuperação judicial e falência no Estado de São Paulo, explica a diferença entre falência e recuperação judicial.
“A recuperação judicial tem o objetivo de preservar a empresa em estado de crise econômico-financeira. Para tanto, todos os envolvidos no processo, inclusive a empresa devedora, suportam ônus e sacrifícios a fim de viabilizar a retomada financeira. Em contrapartida, a falência ocorre com uma empresa que não tem mais condições de se sustentar no mercado”, diz Scavazzini. “Então, em vez de gerar um ônus excessivo a seus credores e ao Estado para sustentarem uma empresa inviável, decreta-se a falência, arrecada-se o ativo, levanta-se o passivo e faz-se o pagamento aos credores, e assim encerra-se essa empresa.”
Os benefícios sociais da recuperação de empresas
Há diversos mecanismos no processo de recuperação judicial para evitar a falência. “No fundo, a grande ideia da recuperação judicial é conseguir que a empresa retome o crescimento”, explica o advogado Gabriel Khayat. “O que é um interesse de todos os credores e dos trabalhadores para ninguém perder.”
A recuperação unifica todos os interessados – devedores, credores, fornecedores e os trabalhadores – para que discutam o plano de recuperação. Para Khayat, o sucesso do processo depende muito do impulso que o administrador judicial dá para o processo e também da colaboração do devedor e dos demais credores. “O volume de credores e de crédito envolvidos no processo também é algo que pode tornar o processo mais complexo.”
Especialistas destacam a importância da transparência com os trabalhadores da empresa. Eles são responsáveis por mantê-la em atividade e colaborar para que consiga se manter no mercado fornecendo seus produtos ou serviços. Não é à toa que o presidente da Odebrecht, Luciano Guidolin, enviou um comunicado aos 48 mil funcionários da empresa encorajando-os a continuar suas atividades normalmente.
Enquanto o trabalhador tem interesse na manutenção de seu emprego, a sociedade e o governo também veem vantagem na recuperação. Empresas geram tributos, produtos, serviços e a circulação de riquezas na economia. Mas, apesar de todo o esforço, poucas saem formalmente da recuperação e continuam em atividade. Em 2017, 36 das 614 empresas que tiveram o pedido de recuperação judicial concedido conseguiram se manter no mercado.
Mudanças na Lei de Falência
Em 2018, o então presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 10.220/2018 com o objetivo de alterar algumas disposições da Lei de Falência e Recuperação Judicial (nº 11.101/2005).
A PL, conhecida como Reforma da recuperação judicial, ainda está sendo discutido e deve sofrer algumas alterações feitas por um grupo formado por 20 entidades da advocacia. Ele inclui medidas como permitir a cooperação entre juízes brasileiros e do exterior nos processos de recuperação judicial de empresas com patrimônio fora do país.
Também está no Senado a PL nº 4.108/2019, que segundo a Agência Senado, objetiva melhorar as condições para micro e pequenas empresas (MPEs) entrarem com pedido de recuperação judicial.
O advogado especialista em recuperação judicial, Felipe Scavazzini, explica que a Lei de Falências é relativamente nova, e está em constante evolução. Por ser oriunda da legislação norte-americana do Chapter Eleven, sua aplicação é baseada fundamentalmente em precedentes dos Tribunais.
“Ela funciona e tem mecanismos legais eficientes, mas também há propostas para mudá-la para uma legislação mais moderna e adequada com a realidade, evitando decisões conflitantes e contrárias à previsão legal”, diz Scavazzini. “Durante esse período de 15 anos de vigência da Lei de Falências, a jurisprudência vem alterando algumas interpretações e, a partir delas, conseguimos visualizar algumas readequações que poderiam ser feitas na Lei.”
Fonte: Exame
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