Recuperação judicial: Como pode ajudar empresas endividadas?
15 de junho de 2019
Em 2018, segundo o Serasa Experian, 1.459 empresas entraram com pedido de falência no Brasil. Esse número foi 14,6% menor que no ano anterior, com 1.708 pedidos. O dado de 2018 foi o menor desde que a Lei de Falências (nº 11.101/ 2005) entrou em vigor.
Nos últimos anos, empresas brasileiras de pequeno, médio ou grande porte, em diversos setores da economia, têm se endividado e enfrentado dificuldades para manter suas atividades de forma lucrativa. Esse cenário se deve tanto por desafios administrativos como também pelo momento conturbado da economia brasileira.
Se você é empresário e sua empresa está com dificuldades financeiras, talvez já tenha ouvido falar de recuperação judicial. Mas, você sabe como esse mecanismo jurídico funciona? Será que é a saída para a sua empresa em estado de endividamento?
Muitas pessoas ainda têm receio e até pensam que pedir a recuperação judicial é como se entregar à falência de forma mais rápida. Mas não é bem assim. Neste artigo, você vai entender um pouco melhor sobre a recuperação judicial e como ela pode ajudar uma empresa a se reerguer e evitar seu fim.
O que é recuperação judicial?
Empresários endividados e com dificuldades financeiras têm a sua disposição um mecanismo jurídico chamado RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Ele permite que haja condições especiais para que os administradores da empresa façam uma reorganização estrutural econômico e administrativa mediada pela Justiça e com o aval dos credores a quem a empresa deve.
Na Lei de Falências, o empresário e a sociedade empresária são chamados de devedor, mas para simplificar aqui também usaremos empresa para nos referir ao devedor.
A Lei que trouxe a recuperação judicial para o Brasil
O conceito de recuperação judicial como temos hoje no Brasil é relativamente recente. Foi trazido para o Brasil em 2005, com a (nº 11.101/ 2005). No artigo 47 desta Lei, o objetivo da recuperação judicial é bem claro: viabilizar que o devedor consiga superar sua crise econômico-financeira e preserve a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e o interesse dos credores.
Além disso, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica é importante para a sociedade como um todo. Afinal, ninguém quer ver empresas históricas fechando as portas, como no caso da Livraria Saraiva, fundada há 105 anos, caso não consiga concluir com sucesso sua recuperação judicial [leia mais abaixo].
Os institutos da falência e da recuperação judicial foram importantes para abandonar a conotação arraigada na concordata, extinta com a nova Lei de Falências. Com origens no direito romano arcaico, o instituto da concordata ainda dava margem para se ver a falência como um crime contra os credores.
Quem pode pedir recuperação judicial?
Em 2018, as pequenas empresas lideraram os pedidos de recuperação judicial, foram 871 pedidos. Já as empresas médias somaram 327 pedidos e as grandes, 210 pedidos de recuperação.
Segundo Gabriel Khayat, especialista do escritório SSB Advogados, as pequenas empresas costumam enfrentar mais dificuldades em tempos de crise por terem menos capital e acabarem sofrendo mais com as turbulências do mercado. Por isso a saída da recuperação judicial pode ajudar a dar um fôlego para essas empresas sanarem suas dívidas a fim de se manter no mercado.
Minha empresa precisa de recuperação judicial?
Em geral, as empresas que entram com esse processo têm algumas características em comum como:
1. Estado de insolvência ou pré-insolvência: situação em que o devedor tem prestações a cumprir superiores aos rendimentos que recebe.
2. Desordem administrativo-financeira
3. Trabalhadores desmotivados
4. Débito extraconcursal
5. Incapacidade de gerar valor
Posso entrar com pedido de recuperação judicial?
Para fazer o pedido de recuperação judicial, há alguns pré-requisitos exigidos pela Lei. A empresa precisa ter pelo menos dois anos de atividade regular. O devedor também não pode ser falido, e se já teve sua falência decretada, todas as suas obrigações devem estar extintas.
Ele também não pode ter passado por outro processo de recuperação nos últimos cinco anos e não pode ter recebido concessão de um plano especial de recuperação judicial, nos últimos oito anos. Por fim, o devedor não pode ter sido condenado, nem ter sócio controlador condenado por crimes previstos na Lei de Falências.
Como funciona o processo?
A empresa endividada e sem condições de se manter e exercer suas obrigações com credores, fornecedores, trabalhadores e com o governo deve procurar uma assessoria jurídica adequada para ajudá-la com o processo de recuperação judicial.
Com a ajuda de especialistas, ela tem mais chances de obter sucesso tanto na aprovação do pedido na Justiça, como também no andamento de todo o processo ao longo de sua recuperação econômica-financeira.
Etapas da recuperação judicial
O processo de recuperação judicial ocorre em três etapas: a fase postulatória, a fase deliberativa e a fase de execução.
Planejamento e ajuizamento
Na primeira fase, o devedor deve entrar com a ação pedindo sua recuperação judicial, apresentando os motivos de sua crise, a contabilidade da empresa dos últimos três anos, as dívidas que tem, a relação dos bens particulares dos donos da empresa, além de outros documentos.
Análise e deliberação sobre o plano
Na fase deliberativa, após ter analisado os documentos e o caso, o juiz decide se o devedor tem direito à recuperação judicial. Se os requisitos e os documentos estiverem em ordem, o juiz começa a processar o pedido do devedor determinando as suspensão de todas as demais ações que possam atingir seu patrimônio. Primeiro, ele nomeia um administrador judicial, que serve de intermediário entre a empresa, a Justiça e os credores.
Após o despacho, a empresa tem 60 dias para apresentar o plano de recuperação à Justiça, caso contrário o juiz decreta sua falência. Então os credores da empresa são chamados para uma assembleia para avaliar o plano. Em paralelo a empresa recebe o benefício chamado stay period, período em que todas as ações de execução e as dívidas são suspensas.
Se o plano não for aprovado nos termos da Lei, o juiz decreta a falência da empresa. Se for aprovado, concede a recuperação judicial e o devedor deve seguir as etapas previstas no plano.
Cumprimento do plano
Após a aprovação do plano, o devedor começa a executá-lo com a fiscalização constante da Justiça. A empresa segue com as atividades normalmente e apresenta ao juiz e aos credores um balanço mensal sobre os avanços obtidos.
Se não seguir o acordado, a empresa tem sua falência decretada.
São vários os mecanismos no próprio processo de recuperação judicial para evitar a falência. “No fundo, a grande ideia da recuperação judicial é conseguir que a empresa retome o crescimento”, explica Khayat. “O que é um interesse de todos os credores e dos trabalhadores para ninguém perder.”
Por que a recuperação judicial é importante?
O processo de recuperação judicial abre certas condições especiais para que a empresa consiga planejar e executar sua estruturação. Esse mecanismo permite que ela consiga prazos especiais para pagar suas obrigações vencidas, mas também abre oportunidade para reorganizar a administração e controle da empresa.
RJ é importante, pois unifica e traz todos os interessados (devedores, credores, fornecedores e trabalhadores) para que discutam de forma conjunta o plano de recuperação.
São diversas formas para o empresário planejar a recuperação e organizar sua empresa ao longo do processo, confira algumas abaixo:
- suspensão das execuções por cerca de 6 meses, o qual pode ser prorrogado;
- alongamento, deságio e carência da dívida concursal;
- permite a cisão, fusão, incorporação ou transformação da sociedade empresária;
- permite a cessão de cotas e ações;
- venda parcial de bens;
- alteração do controle societário;
- emissão de valores mobiliários
Como ter sucesso no processo de recuperação?
Mesmo com o mecanismo da recuperação judicial, o índice de empresas que declaram falência ainda é maior que o das que se recuperam. Ainda há certa falta de maturidade do mercado brasileiro para lidar com essa ferramenta jurídica.
Se o empresário usa o pedido de recuperação judicial apenas para interesses de curto prazo, como manobra para ganhar tempo ou obter vantagens na redução das dívidas, a chance do processo não dar certo é bem grande.
Mudança de mentalidade
O conceito de recuperação judicial é inspirado no Direito norte-americano (Chapter 11 – que é o capítulo dedicado ao tema da insolvência na legislação norte americana). Tanto é que, num estudo publicado pela Harvard Business Review, foram analisados 350 casos de empresa americanas em processo de recuperação judicial, de 2002 a 2011. Nesse estudo, 89% delas continuaram em operação após a fase de procedimentos legais.
Até mesmo em razão da inspiração no direito norte-americano e, por consequência, no commom law, a Lei 11.101/2005 é uma norma considerada mais flexível do que as outras leis e é em grande parte aplicada a partir de precedentes de casos relevantes de Recuperação Judicial e Falência. Isso se deve ao princípio da preservação da empresa insculpido na lei de regência.
No Brasil, até 2015, apenas 5% das empresas que saíram da recuperação voltaram a operar normalmente. Porém, na época ainda era cedo para avaliar a evolução da Lei das Falências já que o período do plano de recuperação varia em média entre 6 e 10 anos. Na época a maioria dos processos ainda estavam em tramitação.
Em 2017, o número de empresas que saíram formalmente da recuperação foi para 6%. Porém, muitas delas podem ser desmembradas ao longo do processo. Esse cenário é considerado bom do ponto de vista social, uma vez que há a manutenção de vagas de emprego e a empresa continua produzindo e colaborando com a circulação da economia.
Dicas para ter sucesso na recuperação
Para Gabriel Khayat, do SSB Advogados, o sucesso da recuperação depende muito do impulso que o administrador judicial dá para o processo e também da colaboração do devedor e dos demais credores. O volume de credores e de crédito envolvidos no processo também é algo que pode tornar o processo mais complexo.
Não adie o inevitável
Muitas vezes o empresário evita até o último minuto para admitir a crise na empresa e pedir ajuda jurídica. Essa demora é um dos problemas que podem levar ao fracasso do processo. Se for feito antes de a empresa entrar em colapso, a chance de obter sucesso na recuperação é muito maior.
Isso se deve em razão de que a maioria das empresas no Brasil os gestores são os principais acionistas, ou melhor dizendo, são os donos do negócio, notadamente quando falamos de cidades interiores.
Isso, em regra, intrinsicamente acaba contribuindo negativamente para enxergar a necessidade de uma mudança e aceitar uma recuperação judicial.
Tome decisões difíceis
Não caia na armadilha de postergar dívidas e “empurrá-las com a barriga”. Muitas vezes, o empresário faz rodadas de reestruturação que provavelmente não irão dar certo, apenas para agradar os credores e parecer que o processo está andamento.
Mas seja verdadeiro consigo mesmo e com as partes envolvidas. Se postergar as decisões difíceis, mais para a frente será impossível salvar sua empresa. Muitas delas morrem aos poucos durante o processo de recuperação, o que é péssimo para o empresário, seus empregados, os credores, mas também para a economia e a sociedade.
Chega de apagar incêndios
Muitas empresas gastam mais energia apagando incêndios que se organizando para a reestruturação. Não sobra espaço para investimento e inovação. Talvez um exemplo disso seja o caso da Livraria Cultura que, cerca de um ano antes de pedir recuperação judicial, comprou as operações da Fnac no Brasil para obter fôlego nas suas próprias dívidas.
Valorize seus trabalhadores
Os trabalhadores de uma empresa em recuperação judicial são bem afetados pelo processo, seja porque serão demitidos, seja porque ficarão sem receber benefícios por um tempo. O empresário deve contar com uma boa assessoria jurídica para lidar com os direitos trabalhistas de seus empregados.
A Lei prevê que o plano de recuperação judicial não deve exceder o prazo de um ano para pagar dívidas trabalhistas. E, em caso de falência, a empresa deve quitar os valores de até cinco salários mínimos assim que tiver crédito para isso.
Mas os trabalhadores são fundamentais no processo de recuperação da empresa. Ela precisa deles para continuar com suas atividades e eles precisam acreditar no potencial da empresa de voltar à normalidade. Caso eles se demitam em massa, a chance de a empresa se reerguer é mínima. Por isso, deve haver uma comunicação clara sobre o que está acontecendo na empresa e como eles serão afetados.
Empresas que tiveram sucesso na recuperação judicial
Mangels: Fabricante de autopeças
A Mangels encerrou o processo de recuperação judicial após 3 anos de processo, a renegociação de dívidas que somavam R$ 430 milhões e de cortar custos para voltar a dar lucro.
CELPA: Centrais Elétricas do Paraná
A distribuidora de eletricidade do Estado do Paraná entrou com recuperação judicial, em 2012, com uma dívida de R$ 2 bilhões. Em 2014, o processo foi encerrado e hoje permanece com as atividades normalizadas.
ENEVA (ex-MPX): Geração e comercialização de energia elétrica
A empresa criada por Eike Batista entrou em recuperação judicial, em 2014, para reestruturar uma dívida de R$ 2,4 bilhões. O processo terminou em 2016 e, segundo informações da empresa na época, o sucesso e a rapidez do processo se deu com a cooperação dos credores e acionistas da empresa.
Industrial Pagé: fabricante de equipamentos para armazenar grãos
A Pagé entrou em recuperação judicial em 2012 e sua dívida chegou a R$ 100 milhões. Mas o processo terminou em 2018 com perspectivas positivas para a empresa, que chegou a faturar R$ 150 milhões no ano anterior.
Grandes empresas entram em recuperação judicial
A companhia de telecomunicação entrou com pedido de recuperação judicial em junho de 2016, um dos maiores do país, para negociar dívidas de cerca de R$ 64 bilhões. Com 70 milhões de clientes, a companhia ainda está tentando solucionar os problemas para sanar suas dívidas.
A Saraiva já vinha tentando negociar dívidas com fornecedores desde o início de 2018. Sem sucesso, em novembro de 2018, entrou com pedido de recuperação judicial para tentar reestruturar uma dívida de R$ 675 milhões. Na época, a empresa, fundada em São Paulo há 105 anos, chegou a fechar 20 lojas em todo o país e a demitir cerca de 700 empregados.
A Cultura entrou com pedido de recuperação judicial em outubro de 2018, com uma dívida total de R$ 285 milhões (dos quais R$ 63 milhões são dívidas com bancos e R$ 92 milhões, com fornecedores). Na época, ela chegou a fechar lojas, demitir empregados e fechar unidades da Fnac brasileira, comprada em 2017.
A Avianca é a quarta maior companhia aérea do Brasil e entrou com pedido de recuperação judicial em dezembro de 2018. Sua dívida é de R$ 2,8 bilhões e está recorrendo a empréstimos para manter suas atividades. A empresa anunciou que o pedido de recuperação foi devido à resistência de arrendadores de suas aeronaves a aceitar um acordo amigável.
Diferenças entre recuperação judicial e recuperação extrajudicial
A recuperação judicial não é a única forma de salvar uma empresa em crise econômico-financeira. Também há a opção de a empresa buscar a recuperação extrajudicial. Isso permite que a empresa devedora faça acordo com seus credores sem o intermédio do Poder Judiciário.
Nesse caso, é importante contar com uma assessoria de advogados especializados na área para ajudá-la na negociação com seus credores. Juntos, eles podem definir um plano e se comprometer a cumprir todas as etapas do processo de recuperação.
A recuperação extrajudicial é uma opção vantajosa para o empresário, pois envolve menos burocracia e custos mais acessíveis para pequenas e médias empresas. Porém, deve ser bem assessorada por advogados qualificados que orientarão as partes envolvidas no processo de negociação e reestruturação da empresa.
0 Comentários